Cadeira ubiratan-teixeira
Tia Zuza é uma parideira de mão cheia que entrou para meu rol de curtição pelas mãos de uma fraterna amiga e alguns litros de caipirinha. Tia Zuza morava bem ali na Trizidela da Maioba, num esplêndido casebre de dois quartos e dezoito filhos, meia dúzia de mangueiras seculares, um centenário poço de pedras, algumas rãs, e aquele lírico juçaral bordejando um incestuoso córrego de alcoviteiras histórias. Ao parir seu décimo oitavo eu já transitava por lá; e melancólica ela me confessou que estava decidida parar naquela barrigada: “É que os pais das crianças, professor, são uns desalmados que só […]
Rapazes e moças que formam o grupo maranhense “Marcha pela Poesia” estarão se reunindo hoje no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho para escutar mais um luminar de nossa história literária, desta vez a poetisa, cronista e contista Arlete Nogueira da Cruz Machado e debaterem com a convidada aspectos importantes da cultura literária maranhense, sobretudo aqueles que forem destacados por Arlete ao longo de sua conversa. Não apenas intelectual de mérito, Arlete é uma das figuras chaves na luta pela preservação de nossas tradições culturais e incentivadora atuante de nossas letras e artes: foi ela, então diretora do Departamento de […]
Hoje eu deveria estar oferecendo ao leitor uma crônica tecida pela fé cristã, falando de piedosas breguices católicas, revendo nossos calvários e concluindo o texto com alguma citação bíblica. Mas o país está com febre; uma febre tinhosa que pode virar terçã malignaletal. E enquanto isso não acontece aproveito então esse pouco de saúde que nos resta para fazer uma reflexão pertinente sobre um parágrafo de nossa história e que tem muito que ver com nossa crença católica; e acredite o leitor que não me considero nem chauvinista militante nem machista preconceituoso -só que fui cruelmente marcado por uma severa […]
Se Arlete Machado escrevesse em outro idioma e publicasse suas obras num país de cultura mais requintada, sua literatura não ficaria apenas circulando nesse restrito espaço provinciano de leitores sensíveis e intelectualmente privilegiados; mas ganharia o planeta como tantos outros que circulam por aí. Passando a vista pelas prateleiras das poucas casas de livros que nos restam, tropeçamos em tristes best-sellers e razoáveis autores mal traduzidos que estão abastecendo os poucos leitores que ainda existem com produtos de bijuteria. “O Quintal”, lançado na última terça-feira, é mais uma primorosa peça de requintada ourivesaria desta escritora laureada por excelentes obras, que […]
Um grupo de jovens de nossa comunidade, na faixa etária que vaidos vinte aos trinta anos, começou, tempos atrás, a usar a internet e seus diferentes recursos para uma forma de relacionamento menos usual que a troca de opiniões sobre o nada e a coisa nenhuma; discutiam cultura literária entre nós a partir do que está estabelecido, sobretudo no campo da poesia. No ocaso do ano passado, Eduardo Filipe, meu neto especial, insinuou-se pelo meu espaço de trabalho doméstico, puxou o tamborete e disse que precisava ter uma conversa especial comigo sobre algo que estava acontecendo. – Grave? Indaguei, naturalmente. […]
Entre a pomba e o bode O telefone tocou bem cedo e a voz miúda do outro lado da linha indagou aflita: – Bira; tu que sabes das coisas me diz o que é jejum! E acrescentou: jejum, jejum eu sei; essa coisa dos católicos passarem fome durante a quaresma. Mas é que minha lavadeira mandou um recado dizendo que vinha buscar o jejum dela. O que é isso? Recuei no calendário e me lembrei do tempo em que as pessoas se amavam de verdade e viviam com Fé o período da quaresma. Daquela infância verdadeira e bem-amada, dos rituais […]
HIC IPSUM EST A noite deslizava morna e aconchegante. Recordávamos nosso passado manso vivido em idílios enquanto o seresteiro lá no fim da praça, ressuscitado ninguém sabe de onde ou se sobra do carnaval, sussurrava ternas melodias de amor: é quaresma, parecia dizer. Lembrávamos nosso conviver comum de mocidade descapitalizada, mas nem por isso frustrada. Eu ingeria minha gororoba de São João da Barra com cachaça enquanto ele sorvia com prazer uma delicada meladinha preparada no capricho. E na virada da madrugada já havíamos equacionada a dívida externa, solucionado o problema da violência urbana, acomodado os sem-terra em várzeas úberes, […]