Cadeira cerescostafernandes
Na São Luís de tempos passados, o ponto de encontro informal de amigos, conhecidos e prováveis paqueras (ainda se usa essa palavra?) era indiscutivelmente a Rua Grande. No espaço que ia do Largo do Carmo ao Edifício Caiçara, encontrava-se uma pá de conhecidos por metro quadrado. Hoje, a ignara massa humana que se desloca na antiga artéria das compras elegantes amedronta. Para enfrentá-la, guardamos o relógio na bolsa apertada no peito e, ao sair de uma loja, aceleramos o passo até alcançarmos a próxima, como um soldado que troca de trincheira. Nos shopping centers, um tanto quanto livres da paranoia […]
A partir dos anos 60 do século passado, se não me trai a safada da memória, institui-se o diálogo como o supremo remédio para todos os males do relacionamento humano. Entraram nessa onda as revistas femininas, com seus conselheiros, os manuais de “amansar pimpolhos”, as relações patrão/empregado e tudo o mais o que é de vida inteligente que se move sobre a terra.A partir daí, as crianças, que só podiam falar em presença de adultos quando autorizadas – os mais velhos tinham sempre razão –, passaram a dominar o cenário pais & filhos. Tudo deve ser discutido exaustivamente, nos mínimos […]
O calendário –forma tão exata de marcar o desenrolar de nossas vidas – faz sucederem-se, repetitivos e inexoráveis: Ano Novo, Carnaval, Semana Santa, Dia da Mães, Dia dos Pais, Semana da Pátria, Finados e Natal, dentre os mais votados, a lembrar que mais um ano passou. E, tão rapidinho que, se não fosse o dito cujo, nem perceberíamos a passagem dos fatídicos 365 ou 366 dias E haja máscaras para afivelar aos nossos rostos na obrigação de estar de acordo com cada ocasião: hoje é dia de estar alegre e confraternizar, amanhã é dia de chorar os mortos ou de […]
Quando em Beirute, a chamada Paris do Oriente-Médio, no final da década de 70 à de 90, do século passado, os bombardeios estilhaçavam os belos e milenares monumentos e balas de fuzil zuniam em suas ruas, só por ter o Líbano, um destino semelhante ao da Polônia, ponto de passagem entre nações maiores e em perpétua beligerância, nós, aqui na província, tiritávamos de medo ao acompanhar as reportagens em imprecisas imagens de TV, a esperar o estouro, quem sabe da terceira guerra mundial, que calculávamos seguisse o modelo das anteriores. Víamos, também, casais bem vestidos, jovens ou maduros a frequentar […]
O cheiro de carne-de-sol assando na brasa me devolve à casa da minha avó, em busca de um tempo perdido. E, num segundo, vêm misturar-se a este odor, outros cheiros e gostos da minha infância, trazendo com eles as figuras de vovó Adriana, D. Malvina e D. Odete Heluy, eméritas quituteiras, para sempre ligadas às minhas sensações olfato-gustativas. Além dos quitutes, me fascinava a satisfação, a quase beatitude, que emanava delas quando nos ofereciam os produtos de sua arte. De onde me vem ao bestunto a idéia de que as pessoas que gostam de cozinhar tendem a ter empatia com […]
Se você nunca ouviu falar de Moura-Torta, sinto muito, mas nunca foi criança. Nem na infância, nem depois – aliás, tem idade para ser criança? E, em verdade, vos digo bem-aventurados aqueles que cultivam sua parte criança, pois eles jamais sofrerão de ressecamento da alma.Após ter ilustrado os leitores, volto à moura–torta. É um conto de fadas, portador de sabedoria popular, como soem serem as histórias nascidas da tradição oral e repetidas ad infinitum durante séculos, até serem registradas no papel. Recebemos, via Portugal, este saboroso conto do fabulário ibérico, onde a figura da moura como vilã é sempre recorrente, […]
Naquele tempo, meu irmão Lucas andava pelos seus cinco anos, e sua melhor amiga era uma porquinha meiga e gordinha que habitava nosso pequeno quintal citadino. Veio morar conosco quando ainda era uma bacorinha. Gulosa, vivia entrando pela casa adentro à procura de comida Não sei a que linhagem ela pertencia, mas seu Djalma carvoeiro – existia, sim, essa profissão -, dizia que ela era da raça caruncho. A sua carinha amarrotada feito a de um buldogue denunciava isso. Ora, caruncho! Como? Eu me revoltava, pois, Cuxi, esse era o nome da porquinha, tinha o pêlo negro e luzidio e […]